Depois as pessoas reclamam que a vida é uma merda. Se o mundo não fosse tão escasso de sentimentos elas seriam mais felizes.
Nunca existisse gente que tinha uma noção tão distorcida de liberdade. Como se fosse preciso abdicar do amor próprio e da vontade de viver para se ser livre – isso só as torna escravas de uma razão inútil de que a vida é um desbunde e que deve ser aproveitada, e não vivida.
Aproveitar não é necessariamente uma coisa boa – o pobre se aproveita da comida que sobra, assim como o ladrão se aproveita do dinheiro alheio para deixar outros mais pobres. Aproveitar não é viver, é gastar, consumir, carcomer todo o tempo que se tem até que por fim não haja mais nada.
Viver é sentir, é consumar, compartilhar, amar, tentar, não sempre conseguir, mas ser feliz tentando. Quem nunca foi livre vai morrer se corroendo por dentro, sofrendo com o vazio que a falta de vida deixou. E pior, vai ter sua alma trucidada pelo arrependimento, e pela vergonha de não ter cedido à vaidade e não ter dado chance à plenitude do SER – do ser, e não do ter e existir.
As pessoas são burras porque não se permitem serem tocadas. Isso porque acham que isso implica numa coisa física. Que fiquem sabendo que por debaixo da pele, e por sobre ela, existem um mundo muito mais importante e prazeroso de ser explorado. Carnal é tudo aquilo que transcende a carne, que evolve – e não envolve – o corpo.
Eu vivi o amor, e sei como ele é bom e vai comigo para onde quer que vá depois daqui. E digo que as pessoas que pensam que ele é banal, cafona e antiquado, são ainda mais burras. Amor é muito mais que pele, que corpo... Muito mais que família, relacionamento, felicidade – tal não existe, Freud explica – afeto, ou qualquer definição plausível e possível de ser descrita.
Amor não tem sexo, não tem tesão, não tem limite. Amor é tudo; é o início sem fim, a compaixão sem piedade, a intimidade sem convivência, a convivência sem proximidade, a proximidade na ausência do tempo. Sem ele, resta o ÓDIO – ódio de querer viver é ter que existir.
Hoje, minha vida é vazia, pois carrego o fardo de ter sido amado e ter amado, e não ter me dado conta disso. A verdade é que a única pessoa que não me amou naquela época fui eu mesmo – como disse, se tivesse esquecido a vaidade e a necessidade de existir, poderia ter sido mais feliz (ainda não sei ao certo se existe uma ‘felicidade’ maior do que aquela que tive, mas nesse exato momento creio que sim).
Se eu pudesse voltar no tempo, teria vivido muito mais, e amado mais as pessoas que me amaram. Pois elas me amaram de graça, sem eu ter dado nada em troca.
Essas pessoas eram o que eu sou hoje – alguém que procura entender as outras dentro das suas complexidades, ao invés de simplesmente aceitar a carcaça imunda e repleta de lucidez e racionalidade que cada um veste quando começa a sair para o mundo.
Amo elas porque não precisei me fazer entender, só fui aceito (Egoísmo? Não. Também me dispus a compreendê-las sem que elas fizessem esforço para se fazerem entender.).
Fomos um grupo de três ou quatro pessoas que se encontraram, no meio de uma horda de gente rasa e simplista. Não sei o que seria de cada se isso não acontecesse – talvez esse momento só fosse adiado, ou todos morreriam (de desgosto ou por vontade própria).
Eu era uma merda antes de conhecer eles, e vou continuar sendo uma merda agora que estamos distantes. Faz parte, eu entendo, mas não me conformo. Prefiro morrer arrependido por ter sido feliz e não ter aceitado isso do que existir sabendo que não provei da vida o elemento básico que ela oferece.
E tenho certeza ABSOLUTA de que se eu ainda estivesse com vocês, todos iriam me amparar diante da situação crítica pela qual passei tempos atrás – estariam DO MEU LADO, não necessariamente perto, mas perto no sentido de afeto, carinho e compreensão. E paciência, muita paciência, pois nossa relação sempre se sustentou nisso – paciência de ouvir, falar, entender, guardar aquilo que não deve ser dito.
Nunca iam me abandonar (ou iriam, de novo), como todos os outros fizeram... Tampouco iam se aproveitar do meu estado para tirar qualquer vantagem (De novo não) – isso nunca, nunca mesmo, tenho toda a certeza do mundo.
Agora eu não tenho ninguém, mas tenho a lembrança de vocês, e o sentimento que foi tão forte que ficou marcado para sempre. Nunca vai secar... Outra certeza.
Só consigo me amar quando lembro que amei vocês. Cheguei à infeliz conclusão de que ninguém no mundo vai preencher o espaço que vocês deixaram, nem vai conseguir me tocar do jeito que vocês conseguiram me tocar. É triste, mas é a verdade – só não sei se sou capaz de conviver com ela... Estou tentando, com todas as forças, mas não estou conseguindo...
O fato é que não posso viver aquilo tudo de novo. Já tentei, duas vezes, que não me trouxeram nem um esboço da satisfação que vocês me traziam. Também desisti, não quero mais. Cansei de me decepcionar...
Afonso. Aula de biologia, 8/11/2010.
“Aproveitar não é viver, é gastar.”
ResponderExcluirPutz, genial! Exatamente... As pessoas esquecem de viver pra si para sobreviver por outros. Daí, as que podem “aproveitam” a vida, as que não podem “sobrevivem” e as que escolhem por viver a própria vida são jogadas para a marginalidade.
”Amor é tudo; é o início sem fim, a compaixão sem piedade, a intimidade sem convivência, a convivência sem proximidade, a proximidade na ausência do tempo.”
Poxa vida! Não há o que falar.
Mas discordo, você tem a si, ao menos! E não é pouco, principalmente quando esse “eu” que se formou após ser tocado carrega o aprendizado do amor dos outros.
É! Às vezes parece que ilusão é a felicidade e que a realidade das coisas, se não é triste, decepcionante, é, no mínimo, medíocre, monótona, descartável. Mas assim como algumas relações e pessoas raras existem (em momentos)... Acredito ser possível uma existência viva num geral. Não é preciso se conformar mesmo, mas é perigoso se fechar. Como sentir se as cascas das feridas barram a pele?